17.9.04

Até que enfim um texto legal na Coluna de Contos. Eu gosto muito desse texto, acho bacana mesmo. Tomara que vocês gostem também.

CARTA DE RECOMENDAÇÃO


Caro amigo, o portador desta pediu-me, com empenho, que o recomendasse a você. Isso se deve ao fato, óbvio, de, em algum momento do qual já não me lembro, ter-te recomendado a ele com algum elogio ocasional. Pois só por ter-te, gratuitamente, recomendado, poderia ele querer, interessadamente, ser recomendado por mim. Ora, como o conheço muito pouco, e te conheço muito, recomendo-o tudo que posso, sem saber se isso é bastante, e peço-te que faças por ele o que achares que podes, pois sempre farás demais. Não sei, porém, se, te recomendando ele, me recomendo a ti, a ele, e a mim mesmo. Pois o que eu poderia dizer do recomendado seria mais do que ele merece. Por ser também mais do que eu próprio mereço, já que, criterioso como sou, nunca recomendaria alguém que fosse menos do que eu, ou apenas tanto quanto. Mas sei que, pensado assim, fico num paradoxo: ele é quem deveria me recomendar a ti, e não eu a ele. Se você concordar com isso, então, por favor, peça que o faça, e só posteriormente aceite minha recomendação dele. Seu velho amigo - se é que jamais ouviu falar de mim - agradecido, Millôr.


RECOMENDAÇÃO A UMA CARTA DE RECOMENDAÇÃO


Caro Millôr, obrigado por ter-me gratuitamente recomendado, mesmo que por mim não fosse pedido. Concordo totalmente, já que não posso fazê-lo pela metade, de que a única recomendação que fizeste foi a sua, e a minha – o que faz de uma duas. Ao me recomendar a um desconhecido gratuitamente, e feito isso magnificamente bem, acaba de se recomendar a mim, a ti e a ele que nem conheço. Porém não posso aceitar a sua recomendação, já que se pouco conheces do recomendado, o recomendante, no caso você, perde credibilidade. E como você recomenda apenas alguém melhor que você, fica óbvio a sua ignorância perante o recomendado, e em dúvida, a sua capacidade de recomendar. Logo, melhor do que pedir a ele, que nem conheço, que te recomende a mim para depois ouvir tua recomendação dele, e assim sanado o problema, peço que cada um de nós se recomende a nós mesmos. Só assim consideraremo-nos melhores do que realmente somos. Apesar da lavada mentira, isso não acarretará problemas. Como nos desconhecemos, tudo foi dito e nada foi feito. Seu velho amigo, Jarbas.

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