24.4.06

O porteiro, indiferente, bocejou ao abrir a porta. O elevador não permitiu nenhuma conversa. Ela queria falar, a porta lhe impediu. Ela o olhava como se pedisse um pouco de atenção. Ele só estava com fome.
Deitada na cama, a luz fraca da noite iluminava a cômoda. Os olhos marejados impregnavam o móvel com tristezas. Logo aquele móvel, que trazia escondidas pelas sombras fotos de pretensa alegria. O tempo lava mais fácil a felicidade mentida. Ao lado, o namorado grunhia recados de amor barato. Amava mais o travesseiro que a ela.
A cômoda insistia em lembrá-la do pai. Era como um telão a passar momentos da tortuosa infância. O pai, filho de caminhoneiro, praticamente não vivia em casa. Foi criada pela mãe, pela tia e pela amante do pai. Sendo as últimas duas a mesma pessoa. Ambas irmãs sempre souberam de tudo. O marido e amante as obrigava a se deitarem juntas. Esquálidas, nada podiam contra ele. Um sujeito animalesco. Mas tinha a decência de deixar a meninota dormir em um quarto separado enquanto surrava palavras ao ouvido delas e da comunidade inteira.
Ela tinha só 12 anos, quando uma noite ele parou sem roupas em frente à sua cama. Ela acordou esbaforida. Calmo, mandou-a colocar a boca em suas partes. Gritou. Sem forças, a mãe escondida na penumbra da porta consentia com lágrimas. Só levantou porque era sua filha. A tia, convivendo há anos com essa dor, músculos enrijecidos pelo sofrimento, pensava que as coisas poderiam ficar menos difíceis com a vinda de uma nova carne. Mesmo sendo a de um membro da família.
Ela obedeceu. Colocou-o na boca e quis logo tirar assim que o sentiu endurecer. O amante não deixou. Segurou-a pela nuca, como se fazem com os cachorros. Facilmente alcançou sua garganta. No segundo depois, arremessou-a contra a cabeceira dura da cama. A mãe continuava a observar tudo da entrada do quarto.
De súbito, entra no quarto e enfia o dedo na vagina da filha. Pronto! Chega! Já não é mais virgem, gritava. E chorando se recostou no guarda-roupas e foi deslizando até o chão. Viu a filha carregar a dor que ela não conseguira suportar em trinta anos. Não, não, não.
Fora um ato impensado. Não se lembrara dos momentos de ousadia que tivera nesses anos todos de casados. A mão suja de graxa a refez lembrar. Destroçada por um simples safanão, não conseguiu mais levantar.
Gordurento, voltou-se para a pequena e abriu-lhe as pernas franzinas. Ela não derramou uma só lágrima.
A noite parecia calma. Mas as trevas nunca gritam em quando se há agitação. Por que uma lembrança tão antiga veio à tona? Os olhos continuavam marejados. As pernas frias começaram a tremer. A cômoda ainda chamava a sua atenção. Aqueles pensamentos não saíam da cabeça. De repente, um beijo do companheiro. Ele só queria que ela dormisse. Sentiu nojo dele. E da sua boca. Ela não queria mais aquele corpo. O dele e o dela. Tinha repulsa àqueles peitos murchos. Aos cabelos desgrenhados. Às costas que mostravam as costelas.
Um líquido veio aquecer as pernas. Sangue seco não sai do lençol. Não se importou muito, aqueles lençóis não eram dela mesmo. E por alguns minutos, não teve nojo de ter as pernas molhadas e cheirando mal. Sentia a dor se esvair.
A noite não iria gritar. A brisa da janela aberta refrescava o suor nos olhos fundos. O lençol grudava nas pernas. Era só mais uma noite.

1 comments:

Anônimo disse...

mto bom
curti