27.10.04

Agora é todo mundo contra o Bush...

25.10.04

LUCIDEZ

A tarde iluminava bem a varanda, o sol do campo não encontrava obstáculos para varrer o verde e brilhar a madeira. Só aquele senhor sentado a olhar as flores. Um olhar triste, meio abatido se juntava com as rugas que ganhara durante a vida.
Uma margarida soltou uma pétala. Hesitou, quis se levantar, a coluna doía, juntou forças e saiu da cadeira. O vento forte balançava seu cabelo. Pegou a pétala. Lembrou dela. Três décadas.
A textura da pétala lembrava sua face jovem. Delicada. Parou uns instantes. Fechou os olhos. O que será que ela pensava dele? Havia cometido tantos erros nesses trinta anos. Faltou com carinho. Vamos amanhã? Quem sabe amanhã? Trabalhou demais.
Não, agora não, não vou pensar nisso agora. Que importância? Um dia saí mais cedo. Tudo que pensar não vai me tirar essa sensação. Foi uma constante? E os três filhos? Ela sempre os quis.
Abriu os olhos. Não conseguia medir as coisas. As lembranças nunca foram parcas. Levantou-se. Voltou novamente a sentar na cadeira de balanço. O sorriso era uma coisa que não lhe vinha à face.
Era um homem pacato. Vencido pelo câncer de pulmão, a escoliose crônica, e várias doenças hepáticas. Embora isso não o incomodasse. Sabia que um dia isso viria a acontecer, nunca cuidou da saúde: fumou, bebeu em demasia. Aos noventa e três anos ainda era lúcido e lembrava de cada dia de sua vida.
A cadeira não trazia paz `a sua mente. Tudo que podia ter sido na vida, e foi. Será que tinha aproveitado de tudo? O sol já se ia e uma nuvem negra lá no horizonte se aproximava. Lembrou de quando batera no filho. Lástimas. O que será que teria acontecido se não tivesse esbofeteado a cara dele quando o menino quebrou um vaso chinês da mãe? Teria sido um menino melhor, sem rancor? Se envolveria com a desobediência e a desordem? Imaginar outros caminhos era difícil.
O tom laranja de despedida do sol aliviava a face queimada pela tarde quente e abafada. Tornou a fechar os olhos. Ponderou. Já não sabia mais para quê fazia aquilo. Mesmo assim remoia cada ação de sua vida. Cada detalhe, cada pensamento. A nuvem se aproximou um pouco mais.
A porta enferrujada fazia um barulho desagradável. Não quis se levantar para consertar. Abriu os olhos e avistou ao longe o lago que presenciou grande parte de sua vida. Não tinha mais razão para pensar. Foi porque foi assim. Não fizera nada de errado. Apenas viveu. As decisões que tomou, já não importam se acertadas ou não, eram dele. E isso o tornou ele mesmo. Outros rumos, acariciado o filho tivesse, amado a mulher. Não era para ser assim. Viveu.
A nuvem chegou. Uma chuva fina molhou a casa. Sentado, parou de respirar.
Fui conferir MINHA MÃE GOSTA DE MULHERES. Bom filme. A verdade é que o filme não tem nada de mais, a direção é boa, a fotografia não compromete, o figurino é mto bom e a história é engraçada. Mas nada que o faça ser considerado um filme de arte, como a maioria das pessoas rotulam os filmes europeus. É, entretenimento não se faz só nos EUA.

22.10.04

Clica aí. Não tem texto para ler mesmo...
Releituras

15.10.04

Depois de alguns problemas com os textos que iriam ser postados, o Coluna volta com força total.

O Amor Acaba.

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Paulo Mendes Campos

13.10.04

Fui ver Farenheit. Sim, atrasadissimo. Mas tudo bem. Apesar do Moore não explicar direito ou esconder algumas informações do filme, como na hora em que ele fala da coalizão e esquece de citar a Inglaterra e a Itália, o filme é praticamente impecavel. Melhor parte é qdo ele mostra em 2000 o Bush falando q o Iraque nao tem armas nucleares e depois em 2003 falando q ele as tem. Será que é só a gente que não tem memória?